Como os jornais noticiam os casos de remoções

A mídia, como o conjunto de meios de comunicação, tem a habilidade de produzir um discurso e fazer que esse alcance um grande número de pessoas. Seguindo os tão conhecidos “critérios de noticialibidade”, os jornais – sejam eles impressos, televisivos ou radiofônicos – decidem que acontecimentos deverão chegar para a população e, mais importante, de que forma deverão ser noticiados. Isso não é surpresa, cada meio tem linha editorial e manual de redação bem definidos.

Divulgar e cobrar ações do poder público é uma das funções incorporadas pelos meios de comunicação. O próprio poder público já espera por isso, é como se uma nova política pública só fosse validada ao ser noticiada pela imprensa. Fazem questão disso, chamam repórteres para os eventos, as assessorias criam contatos nas redações. O trabalho é uma via de mão dupla, espera-se do repórter obter a fala de uma autoridade sobre o novo hospital construído ou a nova escola a ser inaugurada.

A ideia da imprensa como um “quarto poder”, imparcial e com a habilidade de clamar justiça ainda persiste. No entanto, não há a consciência de que os meios de comunicação são empresas e, como empresas, tem interesses econômicos e políticos próprios. É desconhecido quem são os donos da mídia. Eles formam oligopólios que incorporam diversos meios de comunicação em um sistema. Tal coisa é proibida pela Constituição Federal, esses sistemas controlam a maior parte dos canais televisivos, ou jornais que serão vendidos e ditam o discurso a ser incorporado pela sociedade. Não é de interesse deles se impor contra empresários aliados e anunciantes dos jornais.

Assim, o uso crítico da mídia por esses jornais de maior circulação deixa a desejar. Essa não é uma função incorporada por eles. O acúmulo de funções, a precarização e a falta de estímulo na profissão de jornalista se soma como mais uma causa de matérias rasas e com poucas apurações. Esquece-se de, por exemplo, questionar determinada decisão de um prefeito, de entender outros fenômenos que aconteceram para aquela medida ser necessária, de contextualizar o leitor o porquê a política pública aconteceu e de que forma aconteceu.

Fortaleza é uma cidade desigual, à medida que há pessoas com mais de uma casa, existem famílias inteiras sem nenhuma, o déficit habitacional chega a 120 mil. O acesso ao território é limitado, 40% da população ocupa 10% da cidade e vive em assentamentos precários, ou seja, barracos com um cômodo, sem energia elétrica, sem saneamento e sem vias adequadas. É comum que, nas áreas de favela, os moradores não tenham a propriedade do terreno, tornando-se suscetíveis a remoções. É preciso que se esclareça que a segurança da posse não pode estar vinculada somente ao reconhecimento jurídico da mesma, pois a maioria das comunidades atendem aos requisitos legais para sua regularização, como o tempo de permanência ser maior que cinco anos, utilizar o local para moradia, que este local seja menor que 250m² e que os moradores não tenham outro imóvel no seu nome. Enquanto isso, o atual prefeito Roberto Cláudio recebeu, em 2013, um prêmio “Fiec – Desenvolvimento Setorial” do Sindicato da Construção Civil.

Dessa forma, o Observatório das Remoções, parte do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab) da UFC, coletou e analisou 75 reportagens sobre remoções ocorridas na capital disponibilizadas online, sendo a maioria dos jornais O Povo e Diário do Nordeste, entre 2009 e maio de 2017. Através da pesquisa, chegou-se à conclusão que a temática das remoções não é abordada de forma proporcional a grande quantidade de ações de despejos que acontecem. Alguns exemplos, de fato, ganharam maior repercussão e investiu-se em noticiar os desdobramentos, como o caso da Vila Vicentina, na qual foram publicadas 13 reportagens, e da comunidade Boca da Barra, com 22 reportagens. É curioso notar como esses dois exemplos ficaram conhecidos pela população em geral.

Por mais que não utilize a expressão “invasão” para denominar a ocupação e construção de barracos em terrenos privados, parece que não há problemas remover uma comunidade. A culpa é inteiramente dos moradores, afinal, por que levantaram barracos em um terreno ao invés de comprar a casa própria? Apaga-se quantidade de famílias, as condições delas, onde se encontravam e para onde foram, quanto de indenização receberam. Além do lado social, apaga-se os verdadeiros agentes que se beneficiam com as remoções, os donos de terrenos, as construtoras e as empreiteiras. Não se investiga de quem é a posse do terreno, não há nem mesmo um processo judicial. Nos espaços privilegiados com infraestrutura, a especulação mobiliária atua de modo aterrorizante para as comunidades.

Remoções que não respeitam o direito a integridade humana e que não garantem indenizações adequadas são comuns em Fortaleza. Apenas neste ano, cerca de 1.885 famílias foram ameaçadas ou removidas de fato. Entre esses casos, em 55% houve denúncia de ações violentas, e 68% foi feita sem ordem judicial ou administrativa. A cidade é cada vez mais governada de acordo com as demandas do mercado imobiliário e do capital. Ao passo que os jornais ignoram existência das pessoas removidas, sem dar espaço de fala, sem trazer desdobramentos da remoção, como, no mínimo, as condições de vida após remoção. É o acontecimento daquele dia e hora que importa, presa-se pela factualidade.


*Matéria produzida por Aline Medeiros, estudante do Curso de Comunicação Social da UFC e bolsista do Lehab.

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A comunidade do Pau Fininho sofre com o problema da habitação e da especulação imobiliária na cidade

Observatório de Remoções – Fortaleza

Situação fundiária irregular, falta de saneamento básico, carência de rede de água e de energia são questões que conceituam o termo “favela”. O surgimento de novas favelas e o aumento das já existentes são problemas que atingem estruturalmente as cidades brasileiras. Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHISfor, 2012), existem 843 assentamentos precários na cidade. Uma dessas é a comunidade do Pau Fininho. Localizada próxima à Lagoa do Papicu, já passou por tentativas de remoção ao longo dos anos e tem sido mais duramente ameaçada com a mudança do seu entorno a partir da construção do Shopping Riomar, através de Operação Urbana Consorciada, bem como de diversos condomínios e prédios residenciais de alto padrão ao redor. Continue lendo “A comunidade do Pau Fininho sofre com o problema da habitação e da especulação imobiliária na cidade”

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A OUC do Riacho Maceió resultou na remoção de famílias na Senador Machado

Observatório de Remoções – Fortaleza

A Operação Urbana Consorciada (OUC)  do Riacho Maceió foi idealizada na década de 1990. A Lei nº 8.503, de 2002, determina a OUC entre a Prefeitura e a Norpar, hoje Terra Brasilis, dona do terreno. Essa resultou na criação do Parque Otacílio Teixeira Lima Neto, finalizado em 2014. Como parte da Operação, cerca de 87 famílias, moradoras da rua Senador Machado, receberam indenizações para sair das casas. A previsão é que o terreno abrigue um edifício de 52 andares, caso o pedido de outorga onerosa seja aprovado.

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