A comunidade do Pau Fininho sofre com o problema da habitação e da especulação imobiliária na cidade

Observatório de Remoções – Fortaleza

Situação fundiária irregular, falta de saneamento básico, carência de rede de água e de energia são questões que conceituam o termo “favela”. O surgimento de novas favelas e o aumento das já existentes são problemas que atingem estruturalmente as cidades brasileiras. Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHISfor, 2012), existem 843 assentamentos precários na cidade. Uma dessas é a comunidade do Pau Fininho. Localizada próxima à Lagoa do Papicu, já passou por tentativas de remoção ao longo dos anos e tem sido mais duramente ameaçada com a mudança do seu entorno a partir da construção do Shopping Riomar, através de Operação Urbana Consorciada, bem como de diversos condomínios e prédios residenciais de alto padrão ao redor.

A comunidade do Pau Fininho começou a se formar na década de 1980. Muitos moradores contam que, em 1979, seu Raimundo – conhecido por Pau Fininho – comprou um barraco na rua Pereira de Miranda e construiu outros, até formar uma vila, para alugar. Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza, lançado em 2012, existem cerca de 1.802 famílias na comunidade. A de Seu Brasilino, 67 anos, é uma dessas. “Sobrava esses pedacinhos de terra praqui e praculá, que um bocado de gente foi comprando e habitando. Que nem eu, que comprei esse pedacinho e habitei lá uma casa”, conta. Assim como ele, muitos dos que fizeram casas no Pau Fininho vieram de comunidades ao redor.

Com os anos, outros terrenos foram ocupados, aumentando a comunidade, como na encosta das dunas e às margens da Lagoa do Papicu. Essas áreas são consideradas de risco, pois apresentam perigo de desmoronamento, devido a acentuada inclinação e retirada da cobertura vegetal, de inundações periódicas, e pelo despejo de esgoto sanitário. Ambas são Áreas de Preservação Permanente (APP), onde não são permitidas construções. No entanto, em 2008, a Defesa Civil contou 150 famílias assentadas às margens da Lagoa do Papicu em, sobretudo, casas de taipa ou papelão.

Habitar no Pau Fininho

Algumas políticas de habitação já foram direcionadas à comunidade do Pau Fininho. A pesquisadora Linda Gondim, em 2009, estudou a política habitacional após o Estatuto da Cidade e analisou o caso da favela do Pau Fininho. Segundo ela, ao fim da década de 90, o Governo do Estado, através da Secretaria de Infraestrutura, beneficiou 83 famílias com unidades em conjunto habitacional no bairro Vicente Pinzón. Em 2006, a Habitafor criou um projeto para a área da Lagoa do Papicu, após mobilizações da comunidade nas assembleias sobre o Orçamento Participativo. Através do cadastro de 612 famílias, a Habitafor, por meio de contrato de licitação de 2007, prometeu a melhoria de 134 moradias mais afastadas da lagoa e a construção de um conjunto habitacional para 488 famílias, sendo apenas 92 unidades concluídas. Os demais apartamentos em fase de conclusão invadidos e o projeto nunca finalizado.

O mesmo projeto com financiamento federal (programa PAC) também destinava recursos para a construção de um centro comunitário; urbanização e criação de equipamentos de lazer, esporte e mobiliário urbano nas áreas de intervenção (bancos, mesas com bancos para jogos, equipamentos de ginástica, parques infantis, campo de futebol, quadra polivalente, alambrados, obstáculos para skate e patins, e áreas de praças); ligação ao sistema de saneamento básico existente (rede coletora de esgoto e de abastecimento de água tratada), drenagem e terraplanagem de todas as áreas de intervenção; limpeza e escavação da Lagoa do Papicu para retirada de entulho sedimentado; pavimentação de ruas nas áreas de intervenção; arborização de passeios, canteiros, bosques e da área de preservação

A urbanização da Lagoa do Papicu deve ser mantida pelas empresas da Operação Urbana. Foto: Lehab, 2016.

Com a divulgação do conjunto habitacional, que ficou conhecido com o nome de Conjunto Lagoa, o número de ocupantes do Pau Fininho aumentou. Isso aconteceu mesmo após o congelamento – ato de marcar as casas que serão beneficiadas com o projeto – e a fiscalização da Habitafor. Seu Brasilino, que mora há três anos na comunidade, conta que sua casa recebeu a marcação roxa, “a tinta roxa já era programada pra derrubar”, enquanto que a tinta azul era para as casas que estavam há muito tempo, “aí quando o Habitafor foi lá, cedo, era polícia que nem prestava”, lembra.

Os novos ocupantes demandavam a inclusão no projeto habitacional da Prefeitura. Mas as famílias não cadastradas receberam “ajudas de custo” entre 500 e 2.000 reais para desocupar a área. Seu Brasilino recebeu R$ 700 pela casa, assim, procurou outra para alugar com o dinheiro. Durante a remoção, vizinhos de Seu Brasilino não receberam indenização da prefeitura por não estarem em casa na hora da ação. O morador também relembra de conduta violenta: “olhe, o que foi mais cruel, é que tinha gente trabalhando, o barraco tava fechado, eles quebraram a porta. O pessoal chegava, tava as coisas tudo no meio da rua”.

Com o tempo, os terrenos onde houve remoção foram sendo reocupados e novos barracos construídos. “Eu paguei o primeiro mês de aluguel, paguei o segundo, 250, aí acabou o dinheiro… Como eu tava lá há 3 meses e eles não fizeram nada, com duas semanas eu vim, cerquei todinho de arame de novo. Quando foi com 4 meses a negada tudo fazendo os barracos no mesmo canto, eu fiz um barraco de madeira. Saí do aluguel e vim pra dentro do barraco”, relata.

O shopping Riomar e o Instituto JCPM

A Operação Urbana Consorciada (OUC) da Lagoa do Papicu foi criada em dezembro de 2011, por meio da lei nº 9857 que autoriza a operação fruto de convenio entre a Prefeitura e a MD CE Nova Aldeota Empreendimentos Ltda, representada pelo Marcos José Moura Dubeux; representantes da família Moura Doubeux; e Riomar Shopping Fortaleza S.A. Segundo a Lei do Estatuto da Cidade, OUC é um conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

No caso, em contrapartida pela flexibilização das normas de uso, ocupação e parcelamento do solo a ser usado para a construção do Shopping Riomar e de edifícios de uso comercial e habitacional, as empresas ficaram encarregadas de realizar uma limpeza sistemática da Lagoa do Papicu, manter calçadas e cercas no entorno dessa, implementar o Instituto João Carlos Paes Mendonça (JCPM) com programas socioeducativos para moradores das comunidades no entorno, alargar vias e construir 75 unidades habitacionais, para as famílias que seriam removidas, em área cedida pelo município – que, no entanto, nunca foram entregues. Destaca-se que o Instituto JCPM é procedimento de todos os Shoppings da rede Riomar e a adequação viária e de infraestrutura de esgoto e drenagem, pelo ente privado, é exigida pela Lei de Parcelamento, não sendo necessárias OUCs.

As obras do shopping iniciaram em 2012 e terminaram dois anos depois. Durante a construção, houve a remoção de parte da comunidade Das Areias. A ação se deu na Rua César Fonseca para a construção de um túnel na Avenida Santos Dumont, que segue pela rua até a entrada do empreendimento. Para o ex-morador Das Areias, Felipe, conhecido como Rima, de 29 anos, a comunidade “foi a mais radicalmente interferida, porque ela foi dividida no meio”. A empresa Riomar Shopping S.A é de Recife e, ao chegar em um novo local, procura ter contato com os moradores de comunidades nos arredores através do Instituto JCPM, segundo informações colhidas em entrevista para a pesquisa Financiamento do Desenvolvimento Urbano, apoiada pela Fundação Ford.

Mapa da área da Operação Urbana Consorciada, destacando a comunidade do Pau Fininho, Das Areais e a Lagoa do Papicu.

De acordo com a Lei que criou a Operação Urbana Consorciada, o Instituto JCPM ficou encarregado de oferecer programas socioeducativos às comunidades ao redor do Shopping Riomar por dez anos, tendo como meta atender mil pessoas. O coordenador de projetos sociais do Instituto, Edgard, afirma em entrevista para  a pesquisa Financiamento do Desenvolvimento Urbano, apoiada pela Fundação Ford que “nosso papel é só mesmo de desenvolvimento social do entorno, já que o entorno mudou fisicamente com a pavimentação das ruas.” Assim traçam um raio de comunidades que serão beneficiadas.

Porém, o morador do Pau Fininho, Felipe Ribeiro, conta que os moradores nunca foram informados que seria construído um shopping próximo à comunidade, “nós viemos tomar mais conhecimento depois que vieram agregar pessoas que moram aqui na comunidade pra trabalhar lá no shopping”. Após os cursos socioeducativos, muitos moradores foram empregados pelo Riomar, se tornando atendentes ou vendedores.

No terreno, onde hoje se encontra o shopping Riomar, havia a fábrica da cerveja Brahma. A mudança do uso do solo de industrial para comercial e residencial acarreta transformações na dinâmica do local. A concentração de investimentos públicos e privados resultam na valorização imobiliária da área, de forma a encarecer os terrenos, assim o aluguel se torna mais caro e os serviços, como mercados, lojas, salões de beleza, também encarecem.

De acordo com Seu Brasilino, a população no entorno do shopping aumentou devido a oferta de emprego, assim como o preço das moradias, “sempre tem movimento de gente que aparece atrás de comprar casa, porque os trabalhos é aqui. [Por] 10 mil, 15 mil, você comprava… hoje é 50 mil”. Ainda, para ele, seria necessária uma união dos moradores, na forma de uma associação, para continuarem seguros em suas moradias, “porque o Shopping tem um poder medonho”.

Neste ano, em outubro, o Lehab acompanhou uma visita da Defensoria Pública Geral do Estado na comunidade. De acordo com relatos dos moradores, mais de 600 casas foram marcadas pela Prefeitura, algumas mais afastadas da Lagoa e próximas ao Shopping Riomar. Em reunião entre Defensoria, moradores e Habitafor, confirmou-se que o órgão está com o processo de desapropriação da área em andamento. A remoção seria no intuito de urbanizar a área próxima à Lagoa do Papicu. No entanto, ainda se aguardava a liberação da verba pela Caixa Econômica Federal. Desde então, não houve novas informações e não se tem perspectiva de uma solução alternativa justa para as famílias.

Casas marcadas com as numerações de cadastro/controle da prefeitura. Foto: Lehab, 2017
Casas marcadas com as numerações de cadastro/controle da prefeitura. Foto: Lehab, 2017

*Reportagem produzida por Aline Medeiros estudante do Curso de Comunicação Social da UFC e bolsista do Lehab.

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